A review by patriciasjs
A Sereia by Carolyn Turgeon

4.0

http://girlinchaiselongue.blogspot.pt/2013/01/opiniao-sereia.html

Em 1848, Hans Christian Andersen dava voz a uma das histórias mais amadas de sempre e em 1989, a Disney transformava-a num dos filmes mais apaixonantes da sua história. Sujeito a várias adaptações de todo o género ao longo do tempo, a história da Pequena Sereia voltou a ganhar vida em 2011 pelas mãos de uma escritora americana, Carolyn Turgeon que conseguiu relembrar o público da história de Andersen e mostrar que este conto pode ser belo mesmo sem músicas animadas e peixes falantes e, que por trás da história com que todos crescemos, existe outra que menos feliz, traz uma lição em cada palavra escrita.
Quando escreveu aos oito anos o seu primeiro conto sobre um tapir desaparecido de um jardim zoológico, Carolyn não poderia imaginar que ia passar o resto da sua vida a escrever. Desde contos e poemas sobre a sua alma até aos primeiros excertos do seu primeiro livro aos empregos como escritora freelancer ou escritora numa empresa de engenharia até se puder dedicar exclusivamente aos seus livros, Carolyn nunca, nunca deixou de escrever e sonhar. Enquanto escrevia A Sereia, começou a receber fotos de sereias e em todas as viagens em que ia encontrava sempre algo relacionado à essa criatura mitológica, por isso, criou o seu blogue I am a Mermaid, onde entrevista outros escritores como Alice Hoffman sobre sereias e descreve as suas vastas experiências relacionadas com elas.
Nas profundezas do mar, navios naufragados jazem, refulgentes de tesouros e abandonados de vida, memórias de histórias passadas e esquecidos pelo mundo, pelo mundo da superfície pois os que habitam o fundo são mais do que mitos contados aos marinheiros, são seres vivos que nadam com os peixes e que pensam e se questionam como será o mundo que criou os esqueletos que jazem junto a eles, como será ter duas pernas como os cadáveres deitados, como será ter outra sensação que não a do mar à sua volta. Na terra, o desafio está sempre no ar pesado à espera de um gesto que o deixe ganhar vida para que a guerra volte a libertar ódios e quezílias antigas mas, dentro de salas fechadas, onde livros guardam histórias que todos julgam ser lendas e não recordações, os sonhos luzem como chamas e a paz ainda existe dentro de alguns corações. A Sereia é um recontar do clássico de Andersen, guardando a sua essência e mensagem no âmago da sua história para que todos recordem e ninguém se esqueça que o sacrifício, a coragem e a crueldade do sentimento chamado amor são os verdadeiros protagonistas de um conto que atravessou dois mundos, que viu as suas belezas e os seus horrores e, que no fundo, nunca conseguiu fazer a sua escolha.
Duas princesas, um amor, dois mundos e uma amizade capaz de sacrificar tudo pelo bem de outrém. Margrethe e Lenia são as mulheres que sacrificaram tudo por amor e que dariam tudo para estar no lugar da outra. Princesas de mundos diferentes, donas de personalidades diferentes, é a sua história que nos é contada ao longo destas páginas, onde uma história tão antiga quanto o próprio tempo retorna, onde os sentimentos por um homem, podem ser a razão mas não o fim do destino de cada uma delas. Margrethe é uma princesa humana, escondida para não ser usada como mão de troca e que toda a vida viajou por mundos maravilhosos através dos livros. Espelho da mãe e último amor do pai, é ela que terá de salvar dois povos, entregando-se nos braços do inimigo, do homem que ama. Lenia é uma sereia, filha da rainha do mar, inocente, doce e sonhadora que anseia pelas histórias contadas pela avó quando o mar está revolto e que se apaixona perdidamente pelo homem que salva a tal ponto, que é capaz de dar tudo o que foi seu para poder ter a esperança de o ter.
Cada uma delas caminhará pelo seu destino até chegarem ao que anseiam sem saberem que o que desejaram pode estar longe de ser o que sempre quiseram e que o destino pode mudar as cartas e mudá-las a elas para sempre. Num cenário onde cada esquina é um reflexo das profundezas e desejos da alma humana, o leitor ver-se-á rodeado das riquezas de um castelo medieval cristão, pela beleza do verde das florestas, pelo brilho do sol a bater nas faces, isto quando não estiver no fundo do mar, rodeado de tesouros e corais, onde a água o envolve como um manto. Imbuído de um espírito gótico, aquela que poderia ser uma história simples, é uma história feita de sensações e imaginário, uma história onde a crueldade e a verdade há muito que abandonaram os sonhos e as crenças.
Ao criar e apresentar dois mundos totalmente diferentes como uma mestria tão delicada, Carolyn faz os seus leitores voltarem a sonhar e satisfaz os espíritos inquietos que nunca adoraram a versão da Disney mas que também não se sentem satisfeitas com o conto original. Com descrições únicas de grande beleza e imaginação, ela transporta-nos para ambos, faz-nos conhecer o bom e o mau e amá-los aos dois como nos faz amar e simpatizar com as duas princesas. Uma escrita simples mas fluída e envolvente dá-nos não uma história magistral mas uma adaptação que apesar de diferente não perde o verdadeiro significado do conto de A Pequena Sereia.
Um livro para todo os amantes de contos de fadas, um livro para os que sonham com o mar e amam as sereias, A Sereia não é um livro perfeito mas é um que nas suas profundezas dá-nos muito mais do que seria de esperar. Desengane-se quem acha que vai encontrar uma cópia integral de Hans ou quem acha que vai ver a Disney em acção, isso não é o que encontrará neste livro mas sim a visão de uma mulher que sabe que na vida, muitas vezes não há vilões mas escolhas.