A review by pedrorondulhagomes
Os Enamoramentos by Javier Marías

5.0

OS ENAMORAMENTOS, JAVIER MARÍAS

Bem-vindos ao mundo de Javier Marías. Um universo paralelo que existe a escassos centímetros do mundo real. Em muito se assemelha a este, embora seja completamente diferente. Desde logo, pela forma como decorre o tempo, um tempo de veludo e alcatifas, prenhe e distendido. É um universo implausível, não pelos acontecimentos narrados, mas pela sua natureza literária – contudo, o autor consegue-nos convencer do contrário. O seu estilo forrado, com longas frases e parágrafos, envolve o leitor numa penumbra confortável, um sussurro melódico que preenche tudo, não deixando espaço para a descrença – tal como os seus personagens, somos colocados à escuta numa antecâmera, invisíveis, esperando que o lento gotejar das frases revele a trama, um engodo para algo mais profundo. E tal como eles acreditamos ou não: porque é tão difícil perceber se alguém está a mentir – tanto progresso e estamos sujeitos a isso; e é tão fácil incutir dúvidas num interlocutor. Essa é a natureza da própria ficção e o leitor é enredado nesta trama metafísica: como não acreditar se tudo é ao mesmo tempo falsificado e possível.

Há uns meses li o ‘Coração tão branco’, que também me causou uma profunda impressão. Num comentário à minha publicação da altura, alguém apontou, e com toda a razão, que esse romance fazia parte de um conjunto de três ou quatro romances (em que se inclui ‘Os enamoramentos’) muito similares no estilo, temática e estrutura.São quase o mesmo romance, de tal forma se assemelham. E essa semelhança chega a ser aterradora, esmagando o leitor pelo efeito de conjunto.

Tal como no ‘Coração tão branco’, nos ‘Enamoramentos’ há também uma trama de género policial relativamente sofisticada. Mas se atentarmos bem à sua essência percebemos que é relativamente simples, sendo, por outro lado, o resultado muito mais impressionante. Percebemos que é apenas um pretexto. O romance é uma exploração metafísica sobre a natureza humana, a moral, o amor e a própria ficção – e as suas teses são pungentes.