Reviews

A Madona by Natália Correia

pedrorondulhagomes's review

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3.0

Natália Correia foi uma grande mulher. Mas ‘A Madona’ não é, na minha opinião, um grande romance. A linguagem é demasiado carregada, cabendo ao leitor esse esforço desmedido de a transportar ao longo de todo o livro, sem uma aerodinâmica que favoreça a levitação. O defeito não advém, como é óbvio, do uso de um estilo poético por si só. Há inúmeros exemplos de poetas que conseguem usar, em prosa, uma linguagem poética de forma mais singela e parcimoniosa – mas Natália é, talvez por natureza, excessiva; outros há (raros, é certo) que conseguem sustentar esse excesso verbal, por uma qualquer combinação alquímica de ritmo e furor. A narrativa segue também um caminho tortuoso, sem que daí resulte nenhum prémio para o leitor, apenas dificuldade. Não quero com isto dizer que os livros tenham de ser fáceis. Mas a dificuldade deve ter uma razão e um prémio. Senão é mera coqueteria intelectual.

Em termos históricos é compreensível a importância deste livro. Em 1968, Portugal, uma voz feminina que se articulasse nestes moldes, não poderia deixar de agitar águas estagnadas ou arejar o mofo de sacristia. A forma como fala do sexo e do desejo como aspetos matriciais da experiência humana é ainda extremamente atual. A este respeito vivemos ainda de forma paradoxal, numa sociedade em que a ideia de sexo é pervasiva, mas não declarada, obsessiva, mas pouco consequente. Uma sociedade cada vez mais atomizada, em que tudo é uma excrescência dessa falta de consequência: talvez nunca se tenha falado tanto e feito tão pouco. A moral católica continua a exercer uma força espectral: o sexo e o desejo não são assim tão importantes. Como a água, que encontra sempre o seu caminho, também a energia sexual é impossível de conter; e as ditas excrescências dessa contenção tomam formas perfeitamente pavorosas e inesperadas, procurando uma libertação por outros meios. É por essas e por outras que as paixões simples não têm nada de banal.

irisfilipaafonso's review

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5.0

Eu não sei explicar o quão simultaneamente homoerótico e homofóbico este livro é e sinceramente nunca cheguei a perceber se é sequer algum dos dois mas adiante. Completamente louco, bizarro, macabro.
Talvez o intuito fosse o feminismo mas acabou por se tornar mais uma caricatura de trad wife na sua evolução para femme fatal (especialmente pro final) que apesar de questionável não é descrita de uma maneira redutora. De qualquer maneira identifiquei me até certo ponto porque, também eu gosto de ver homens a pagarem pelos seus pecados, é claro.
E demorei mais de metade do livro a perceber a quem é que ela se está a referir por causa dos saltos no tempo que causam alguma confusão mas no fim acaba tudo por fazer sentido o que é um bocado frustrante no decorrer da leitura mas é satisfatório no último capítulo (acho que o facto de querer perceber a história me fez querer ler mais assiduamente).

blueyorkie's review

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4.0

A novel whose characters, predominantly female, denounce a patriarchal ideology in recession in favour of a more peaceful system in terms of gender.
Innovative writing for the time. The emergence of the feminist movement in Portugal, which appeared at that time, was an event that left no one indifferent.

catarinaduarte30's review

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dark reflective fast-paced

4.5

cetian's review

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4.0

Um livro que faz lembrar "A cidade e as serras", do Eça de Queiroz. Aqui, a personagem principal também se divide entre a casa de família, na ruralidade portuguesa, e a vida intelectual em Paris. E há igualmente uma insatisfação, uma impossibilidade de encontrar um lugar, uma incapacidade em definir uma identidade. Branca vive entre o cosmopolitismo de um tédio pantanoso, feito de cinismo e desencanto, numa Paris que regurgita festivamente as suas contradições e a rude mesquinhez de Briandos, com o seu zeloso moralismo e a sua bruta incompreensão do tamanho do mundo exterior. Tenta sentir-se viva na liberdade que lhe proporciona a vida parisiense, na grandeza dos sentimentos, na descoberta do amor e do ciúme, e do que é ser mulher e do que são os homens. Tenta reencontrar-se, e às suas raízes, em Briandos, numa ideia telúrica e ingénua, de animalidade e coisas primordiais. Procura apaixonar-se, sentir-se amada, viver de forma derradeira.

Este romance foi publicado em 1968, ano em que o mês de maio se tornou tão importante. Ano em que Sartre ficaria do lado dos estudantes, durante as revoltas estudantis. Seis anos antes do 25 de Abril. É um livro portentoso, com uma escrita fluída, vibrante, ao mesmo tempo erudita e profana, delirante e lúcida. É um arremesso feminista à sociedade, mais emocional e intuitivo do que argumentativo, mas ainda assim cheio de pertinência. Muito do que é a concepção da castidade, da fidelidade, do ciúme, do amor, do feminino e do masculino é aqui abordado de forma intensa e implacável. Há um universo que Natália Correia aqui torna vivo e aceso, que estilhaça completamente o que Betty Friedan tinha chamado uns anos antes, em 1963, de Mística Feminina. Fica demonstrado não é possível conter o que uma mulher é num conceito de feminino, num conjunto de coisas, restritas e bem delimitadas. Numa Mística. Natália Correia, com a sua narrativa surpreendente e uma escrita fulminante, abre caminhos, coloca questões, destrói mitos, põe o dedo em feridas e cura males. Volta a baralhar tudo e segue, em grande aceleração com assomos surrealistas. Dá voz a uma personagem que sabe que o seu lugar no mundo não é de mais ninguém. Por mais dificuldade que tenha em perceber tudo o que se está a passar consigo, faz as perguntas e procura, e quer sentir. E é capaz de por o mundo todo do avesso. O seu mundo.
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