rolandosmedeiros's review against another edition

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3.0

“O sonho não é uma fuga. Nossos pensamentos noturnos — mesmo os mais bizarros — saem do mesmo cadinho que nossos pensamentos diurnos. Não podemos esperar destituir durante o sono os desejos, os medos ou a mera mudança da mente que molda cada fase de nossa existência.

O sonho não é uma revelação. Se um sonho oferece ao sonhador alguma luz sobre si mesmo, não é a pessoa de olhos fechados que faz a descoberta, mas a pessoa de olhos abertos, suficientemente lúcida para organizar os pensamentos.

O sonho — uma miragem cintilante cercada de sombras — é essencialmente poesia.”


Este diário-duplo, escrito pelo surrealista Michel Leiris, nasce quando o autor percebe, de certa maneira, que a tinta com que seus sonhos são escritos, influi e se mistura nas páginas do seu próprio diário; naturalmente, sem que force, a bruma que cobre os sonhos também cobre a sua vida real.

Estreita-se a margem entre vida e sonho (e daí vem o título desta edição, ou, da francesa, ainda melhor: (vulgarmente) Noites Claras e Dias Escuros).

Na minha opinião todos deveriam tirar um tempo para ler estes sonhos, vislumbres oníricos, que se apresentam este diário de múltiplos donos, pois, conforme você vai lendo, você vai percebendo que este diário também é o seu diário; e os sonhos do Leiris, desencadeiam na sua (e na nossa) vida, memórias incompreensíveis de sonhos que ficaram marcados no nosso inconsciente.

‘‘Basta um pequeno ajuste de iluminação ou um leve tropel de retórica para que a vida cotidiana assuma a mesma distância incerta dos sonhos, ou, para que o sonho seja desmistificado, diluído no cotidiano.”



A demarcação porosa entre vigília e sonho é desfeita. Como diz o grande Nerval: “O sonho é uma segunda vida.” e “aqui começa o que chamarei de invasão do sonho na vida real.” Neiris faz a mesma descoberta: a vivacidade profundamente gravada e misteriosa que experimenta nos sonhos, também experimenta em certos episódios de sua realidade.

“As últimas palavras de Nerval, um bilhete (de suicídio?) deixado na mesa da cozinha de sua tia: “Ne m’attends pas ce soir, car la nuit sera noire et blanche”. Não espere por mim esta noite, pois a noite será preto e branca.”


O livro é curto, onírico, poético, certas vezes, exageradamente surreal, mas, extremamente interessante:

“1942, Sonho: Eu sou o ator Jean Yonnel e estou declamando uma espécie de tragédia raciniana. De repente, não me lembro mais das minhas falas. Passo a falar devagar, em frases curtas e bruscas, embora ainda mantendo meu fervor declamatório; proclamo que, o esquecimento que me acometeu, tornou-me consciente da peça, logo, não posso mais representá-la como costumava fazer, uma performance que só em fluxo, só em falta de consciência tornava-se possível.”


Vamos vivendo como o sonho, passando por essa noite sem noite como Michel Leiris a chama; essa noite duplamente noturna dada a ausência e subtração de si em si mesma, essa noite da qual também nós somos subtraídos e escultados, e assim postos em um estado que não é o dormir e nem o despertar: suspensos entre o ser e o não-ser.

“1924, vida real: Tendo retornado de Mainz, onde trabalhava como jornalista, e prestes a partir novamente para Le Havre, sua terra natal, Georg es Limb nosso autor de L’Enf ant polair e daquele Soleils bas decorado pelas gravuras prodigiosamente agudas e arejadas de André Masson — estava dividindo meu quarto no apartamento da mãe por alguns dias.

Por volta das duas da manhã, acordo e vejo Limb sentado no sofá que estava usando como cama, lançando um olhar perplexo ao redor do quarto.

O sofá parece estar completamente envolto em gaze, como se estivesse coberto com uma rede mosquiteira.

Quando lhe pergunto qual é o problema, ele responde que pensou que alguém havia pendurado cortinas em volta do sofá para enforcá-lo.

Nesse ponto, a ilusão desaparece.”


Paro por aqui para não estragar mais a experiência que é lê-lo.

Vulgarmente: o que importa para Leiris no sonho são as evocações de novos sentimentos, de um sentido que não é sentido, e não o lugar comum, de dotar o sonho de significados e significações. É o sonho como sonho, a noite como dia, e o dia como noite. Essa abordagem faz com que o livro flua suavemente, uma experiência rápida mas gostosa, que deixo como uma curiosa recomendação, que se você for experiente no francês ou no inglês, você o lê em não mais que duas horas.

“Estas experiências já foram sonhos; são agora, signos de poesia.” (p. xxii), prefácio do Maurice Blanchot.

yamil_buttwater's review against another edition

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reflective fast-paced

3.0

mateaaah's review against another edition

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challenging mysterious reflective slow-paced

3.25

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